Arquitetura de Cinema
Esta coluna tem como objetivo analisar o desenvolvimento espacial de obras de cinema e sua arquitetura, onde inevitavelmente esbarra-se na relação tempo-espaço e na percepção arquitetônica e/ou urbanística da cenografia. Cinema e arquitetura são formas artísticas e práticas espaciais que constroem o espaço.
Desde o final do século XIX a Arquitetura e a Cinematografia se deslocam por trilhos paralelos possuindo intersecções importantes em suas práticas, que descreveremos a seguir, mas importante apontar que a intersecção principal, é a de que são fundamentalmente práticas que produzem sistemas de objetos como reflexo de uma cultura.
A metrópole contemporânea e o cinema surgem praticamente na mesma época. Sua justaposição fornece várias chaves sobre a estética pela qual vivenciamos a cidade, não apenas como cultura visual mas, acima de tudo, como um espaço psíquico. O cinema sempre utilizou a arquitetura como cenário, muitas vezes tendo a primazia de ser a protagonista do filme. De “Metrópolis” (Fritz Lang, 1927) a “Blade Runner” (Ridley Scott,1982) ou de “Playtime” (Jacques Tati,1967) a “Taxi Driver” (Martin Scorcese,1976) , não são raros os exemplos de filmes em que a arquitetura e a cidade têm um caráter decisivo para a construção e assimilação do filme.
Segundo alguns autores, o cinema é a mais completa forma de representar a arquitetura, bem como entender as suas relações de composição e suas interferências formais da configuração urbana. Acompanhando a história da Cinematografia enquanto meio de produção do espaço, detectamos que esta sempre se definiu a si mesma tanto como uma prática arquitetônica, quanto como uma prática urbana, constantemente reinventando o espaço.
Ao analisarmos a primeira cena filmada pelos irmãos Louis e Auguste Lumiére, em 1895, intitulada “La sortie de l´usine Lumiére” (A saída da fábrica Lumiére), vemos a existência da Arquitetura e seus elementos constitutivos e acima de tudo, de seu protagonismo na narrativa, que a partir daquele momento estabelece-se como uma intersecção inseparável destas duas práticas.
Mas se todos concordarmos que a Arquitetura está presente no Cinema, também devemos concordar que o Cinema está presente na Arquitetura, de um modo diferente. Arquitetura e Cinema são duas artes que concebem um envelope que possui igualmente, e com notável intensidade, o doméstico, o cotidiano, o trivial, ao objeto perseguido em seus processos. As duas, também com a mesma intensidade e obsessão, perseguem uma fácil e total compreensão por parte de todo público, por todo tempo futuro. Para conseguir isso se empenham meios e recursos às vezes extraordinários e se somam ofícios cada vez mais especializados, onde se integram lições aprendidas desde todos os campos da atividade humana.
É bem provável que a maioria das pessoas da nossa sociedade não tenham visitado Paris, Londres, Roma ou Nova York, por exemplo, mas podemos acreditar que na sua grande maioria podem “descrever” estas cidades e que as tenham visto nos filmes “Midnight in Paris” (Woody Allen,2011) , “Notting Hill” (Roger Mitchell,1999) , “8½“ (Federico Fellini,1963) e “Sex and the City” ( Michael Patrick Ling,2008) .
Mais do que isso, tais práticas de “descrição”, em nosso tempo, estão sendo profundamente marcadas pela lógica da mídia, e de toda a tecnologia de que esta se serve, de tal forma que nossa vida local e cotidiana não se separaria das vozes e imagens que habitam as telas da TV e do cinema, as páginas dos jornais, o rádio, e que nos “acompanham” nas nossas casas, nas ruas, nos bares, nos shoppings. Nossas identidades, nesse sentido, não se separariam dos modos de representação, dos grupos sociais, das lutas políticas, das minorias étnicas, enfim, de todas as imagens criadas, reproduzidas, multiplicadas pelos meios de comunicação a respeito de nós mesmos e do tempo em que vivemos.
Apesar das diferenças que as distinguem e separam, a Arquitetura e a Cinematografia continuam a contagiar-se reciprocamente, num zeitgeist em que reina a hibridez e interdisciplinaridade, torna-se oportuno refletir sobre as complementaridades entre estas artes e suas disciplinas. Entre contaminações e influências, importações e exportações, a Arquitetura adotou conceitos do Cinema que, por sua vez, insiste numa procura constante de respostas para a Arquitetura.
A Arquitetura está sempre presente, é o cenário permanente da nossa existência e da nossa história. O Cinema representa o mundo em imagens em movimento, e, tal como todas as outras artes, ajuda-nos a atribuir diferentes significados à vida, ao mundo e a sociedade.
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