As Três Melodias de Le Corbusier no Cinema
Em 1948 o Dr. Pedro Domingo Curutchet havia adquirido
em La Plata, cidade que se encontra a 60 km de Buenos Aires, um terreno em
forma retangular de 9 metros de largura por 24 metros de profundidade, o número
320 do Boulevard 53. Sua situação urbana era singular e privilegiada: frente a
um grande espaço verde conformado por uma pequena praça triangular, a praça
Rivadavia na arborizada Avenida 1
e o “Paseo
del Bosque”, principal parque público da cidade.
É uma obra reconhecida internacionalmente, já que é
a única projetada e construída em toda America do Sul. Esta seria sua única
obra construída na América Latina junto com o “Carpenter Center for the
Visual Arts” da Universidade de Harvard
(Cambridge, Massachussets; 1963),
uma das duas
materializadas neste continente. Le
Corbusier conhecia a Argentina, principalmente a cidade de La Plata, mas nunca
viajou ao país durante a execução da obra. O projeto se destaca porque nele
podemos ver notadamente refletidos todos os princípios fundamentais da
arquitetura moderna que propunha este arquiteto.
Na Casa Curutchet, Le Corbusier resume o processo compositivo da fachada principal aplicando o enfoque pictórico purista. O projeto é um equilibrado jogo de signos aplicados no espaço. Separa em planos os componentes que historicamente formaram parte da unidade do ”muro”: a estrutura, a vedação e a proteção solar. Desta forma, cada parte se converte em uma camada independente, superpostas em um exercício de transparência que diferencia o primeiro plano, o meio e o fundo. O brise- soleil, o plano de vedações e a trama de pilotis constituem as três camadas da composição que Le Corbusier denominou “três melodias”.
Habitada pelos Curutchet entre 1953 e 1962, a casa
esteve praticamente abandonada até 1987, quando se realizou a primeira
restauração. A segunda, realizada em 1992, permitiu transformá-la em um pequeno
museu, hoje em dia aos cuidados do Colegio
de Arquitectos de la Provincia de Buenos Aires, e também sua atual sede.
No século XXI o projeto de Le Corbusier retorna em
um filme praticamente todo realizado em nada mais nada menos que na própria Casa Curutchet, em La Plata
(Argentina). No filme “El Hombre de
al Lado” ( 2009) com direção de Gastón Duprat e Mariano Cohn, a
casa torna-se a protagonista desta história que se desenvolve a
partir de um desentendimento entre vizinhos, mas quando aplicado
a um contexto com um fundo histórico como a
Casa Curutchet, toma uma dimensão muito dramática.O
filme de Mariano Cohn e Gastón Duprat faz por vias tortas uma homenagem ao design cerebral do mestre do modernismo.
Um argumento aparentemente simples, que provocará
um jogo de olhares sobre as relações sociais e a realidade atual. Uma marreta
sobre a parede quebra o silêncio dos créditos iniciais e divide a tela. De um
lado, a causa e de outro, a consequência. Este incipiente evento dará começo ao
filme. Começa no vizinho uma reforma. Pedreiros abrem na parede, que dá vista
para a sala de Leonardo, um rombo. O recém-chegado Victor (Daniel Aráoz) quer
uma janela para aproveitar os raios de sol, mas Leonardo surta, acha a janela
uma invasão de privacidade. O processo começa alterando a harmonia
arquitetônica de sua casa, que não é uma ”simples” residência mas
nada menos que a famosa Casa Curutchet. A casa não somente é o cenário
da ação como também uma protagonista na narrativa. A câmera acompanha Leonardo
nos percursos e as suas imensas possibilidade do olhar que Le Corbusier propõe
no seu projeto.
A cena final, maravilhosamente bem executada, do filme “El Hombre de al Lado” é reveladora quando nos mostra os dois personagens principais, num final dramático e inesperado, juntos a Le Corbusier representado pela promenade architecturale, exemplificada pela rampa da Casa Curutchet.
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