Tenho alma turista
Tenho Alma Turista
Ganhei uma viagem para a Europa numa promoção que parecia impossível da rádio Atlântida, como a passagem expirava em um ano e eu poderia chegar e retornar ao Brasil de qualquer uma das capitais, meus próximos 320 dias depois da notícia que recebi eufórica, foram usados para economizar dinheiro e planejar minha rota.
Com dicionários de frases prontas de inglês e francês, carteira e guia de albergues, uma ansiedade sem fim e uma mochila nas costas, em abril de 1996 lá fui eu. Chegaria em Londres, depois: Amsterdã, Brugges, Paris, Madri, Barcelona, Veneza, Firenze retornando de Roma. Em exatos 38 dias, fui livre e feliz de uma forma indescritível, o mundo virou meu parque, estava tudo ali ao alcance da minha curiosidade, do meu toque, tudo vivo, tudo pleno, tudo meu.
Encontrei dia desses, o bloco de notas dessa minha primeira viagem internacional que fiz, como eu fui sozinha e sabia do meu parco inglês ( e de todas as outras línguas), supus que teria muita emoção pra contar e registrar e nenhum possível ouvinte que me entendesse, daí o bloco.
Ali estão as cotações dos dinheiros de cada país (isso foi antes da implantação do euro), as dificuldades de câmbio, o que comi em cada lugar, os albergues, os hotéis, as linhas de trens e metrôs que peguei, as curiosidades dos lugares que conheci, alguns números: datas , alturas e detalhes de alguns monumentos que visitei, mas estão principalmente as minhas genuínas impressões, já que era meu diário de bordo, que ninguém teria acesso, tiveram livre expressão meus deslumbramentos, minhas alegrias, meus medos.
Percebi relendo-o que bloco é praticamente um mantra de agradecimento: “Thanks God!!Thanks Rochel!!” pelo tanto que me senti protegida e abençoada lá do outro lado do oceano, por tudo que lá vivi, pelas pessoas que encontrei, por tudo que aprendi e cresci, por tudo que descobri feito um Cabral ás avessas.
Cheguei em meio ao feriado de Páscoa, sem hotel reservado e ninguém me aguardando no aeroporto distante 60 km de Londres, minha companheira de banco no vôo, percebendo minha dificuldade, me ofereceu carona, no carro do amigo, um advogado da embaixada brasileira, lá fomos nós naquele carrão bonito todo preto, já na casa aquecida e segura, o amigo me ofereceu um guia de hotéis e albergues e o telefone...TODOS lotados percebi logo, resolvi telefonar pra uma amiga brasileira (mesmo supondo que não a encontraria), mas felizmente a Susi estava em casa, (Que sorte, o meu plano de viajar para Amsterdã tinha furou há , me disse contente!), e me esperou feliz na estação de metrô onde fui deixada pelos meus amigos novos, para me hospedar.
Quando acordei na manhã seguinte, senti uma necessidade imensa de agradecer, lembrei de ter avistado uma igreja pequena no fim da rua, lá fui eu, deixando os moradores da casa dormindo.
Quando cheguei na igreja, vi que todos estavam muito arrumados, de turbantes e sorrisos luminosos e eu era a única branca, meio constrangida, me ajoelhei no ultimo banco e estava ali fazendo minha oração, quando uma negra linda cutucou no meu ombro e me estendeu a mão, falando qualquer coisa que eu nem de longe entendi, Pensei: Deve ser proibido, estou sendo convidada a me retirar...Levantei, um pouco decepcionada de ser vítima de preconceito e ia sair, mas ela me pegou pela mão e me levou pro altar, onde outras pessoas se encontravam, e aí percebi, eu era a décima segunda integrante e tinha sido convidada pra atuar no culto, ajoelhei como os demais e recebemos cada um, um pedaço de pão e um gole de vinho, enquanto em coro todos cantavam a plenos pulmões, uma cena linda e inesquecível (cinematográfica)!
Se eu já me sentia abençoada por ter chegado a Europa sã e salva (como diria minha avó), ali tive certeza eu estava protegidíssima e tudo daria muito certo. Essa passagem e outras tantas, estão no meu livrinho de bolso.
Não bastassem todas as lembranças novamente acesas, pela leitura de ontem , duas conclusões ali registradas foram ótimas de retomar, voltei muito certa de que o mundo era menos vasto, menos inatingível do que sempre me pareceu, voltei com necessidade conhecer mais, e viajar mais, mas me reconheci com alma de turista e não de imigrante, adorei ter pra onde voltar, pro meu lugar..
Não importa qual seja o tipo de alma, viajar é sempre colocá-la no sol.
Nádia Lopes
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