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*José Fortunati 

Desde que cheguei em Porto Alegre, no ano de 1974, para cursar a Faculdade de Matemática da UFRGS, sempre morei no Centro Histórico. Desta forma construí uma relação muito próxima com a nossa orla do Lago Guaíba pois sempre tive o hábito de caminhar nas imediações do local. Ao casar com a Regina esta relação passou a ser mais intensa pois as caminhadas dos finais de semana foram se tornando uma verdadeira rotina ao longo do tempo. E sempre que passava pelas imediações da orla comentávamos como ela se encontrava abandonada, fazendo com que o porto-alegrense ficasse “de costas” para o Guaíba. 

Foi o delegado Paulo Jardim, titular da 1a. Delegacia de Polícia da Capital, que transformou a preocupação com o descaso do local em números alarmantes de crimes cometidos naquele espaço, como roubos, agressões verbais e sexuais, estupros, entre tantas outras violências perpetradas contra aqueles que teimavam em frequentar o local. 

Com esta visão crítica daquele espaço notável da nossa cidade, foi imperioso que ao assumir o comando da Prefeitura de Porto Alegre no ano de 2010, começasse a pensar de forma objetiva numa maneira de qualificar aquela área notável. 

Para colocar em prática um processo de revitalização adequado tomei a iniciativa de convidar o urbanista Jaime Lerner, reconhecido pela sua imensa capacidade de transformar espaços urbanos, para planejar uma reestruturação urbanística da Orla do Guaíba. Em 16 de dezembro de 2011 a Prefeitura de Porto Alegre assinou um contrato com Jaime Lerner com o objetivo de buscar a revitalização urbana, ambiental e social da orla, transformando uma área completamente degradada em um parque público com infraestrutura completa que oferecesse ao cidadão um espaço seguro para passeios, para o esporte e para a convivência social. 

Com o projeto básico pronto comecei a buscar uma fonte de financiamento para custear a obra, batendo em várias portas como o BNDES, a CEF, o BIRD e o BID. Acabamos tendo uma bela acolhida junto a CAF - Corporação Andina de Fomento que terminou ajustando um projeto mais amplo visando a revitalização da orla, da Usina do Gasômetro, da revitalização de vias importantes da cidade, do atendimento de demandas do OP - Orçamento Participativo e do Quadrilátero da área central da cidade. 

Depois de inúmeras reuniões de negociação, o financiamento da CAF ficou estruturado em três etapas com destinações específicas: 

A fase 2016, no valor de US$ 35,35 milhões contemplava a revitalização da Fase 1 da Orla (da Usina do Gasômetro até a Rótula das Cuias), que seria o Parque do Gasômetro, mais a pavimentação de ruas conforme demandas do Orçamento Participativo e a modernização dos sistemas tecnológico da Secretaria Municipal da Fazenda e da Procempa. 

A fase 2017, no valor de US$ 49,78 milhões contemplava a revitalização da Orla (Fase 3), abrangendo trecho entre a ponte do Arrio Dilúvio e o Beira-Rio. Este trecho abrigaria todas as modalidades esportivas possíveis. Além disso, nesta fase estava contemplada a recuperação da Usina do Gasômetro, as obras de revitalização das ruas Andradas e Uruguai e mais obras do OP. 

A fase 2018, no valor de US$ 5,47 milhões contemplava a requalificação do Quadrilátero do Centro Histórico, envolvendo melhorias nas avenidas Borges de Medeiros, Voluntários da Pátria, Salgado Filho e Dr. Flores, com foco no mobiliário urbano e calçadas. 

É importante lembrar que como as negociações com a CAF, com a STN – Secretaria do Tesouro Nacional, com a Casa Civil e com o Senado da República levaram muito mais tempo do que prevíamos, resolvemos começar a obra de revitalização ainda no início de 2016 contando com recursos próprios. 

Finalmente, o contrato de US$ 92 milhões de financiamento da CAF com a Prefeitura de Porto Alegre foi formalizado no dia 10 de agosto de 2016, o que garantiu a continuidade das obras nos governos seguintes já que o projeto arquitetônico, ambiental e paisagístico feito pela equipe do urbanista Jaime Lerner com a equipe de técnicos da Prefeitura de Porto Alegre estava totalmente pronto e os recursos para todas as fases e obras depositados na CEF – Caixa Econômica Federal. 

Alguns fatos devem ser relembrados sobre esta caminhada. Na apresentação do projeto da Fase 1 da revitalização da Orla, numa audiência pública realizada na Câmara Municipal de Vereadores, o arquiteto Jaime Lerner foi vaiado por uma parte da plateia que não concordava com a sua contratação por notório saber e por não ser gaúcho. Outro fato importante foram as manifestações contrárias a obra que quase inviabilizaram a sua execução. Também é importante lembrar as várias reuniões que realizamos com a comunidade de skatistas da cidade para modelar a pista que se tornou icônica, se tornando a maior pista da América Latina, e que foi projetada para ser um espaço de convivência acolhendo skatistas de todos os níveis, desde iniciantes até profissionais, se transformando num ponto de encontro intergeracional, atendendo tanto ao esporte competitivo, quanto recreativo, tornando-se um local democrático de lazer e socialização. 

É indiscutível que a revitalização da Orla do Guaíba (nas suas fases 1 e 3) acabou tendo um grande impacto social e cultural, se tornando um grande ponto de encontro, passeio e esportes para moradores e visitantes, valorizando ainda mais o nosso fantástico pôr do sol. 

Na questão ambiental a revitalização propiciou o reflorestamento da área com espécies nativas, a recuperação de taludes e a melhoria do habitat ciliar. Em relação a economia local, a revitalização da orla impulsionou o turismo, o comércio local e ao longo da rua dos Andradas e a valorização imobiliária nos arredores. 

Me sinto muito orgulhoso de ter idealizado, proposto e lançado oficialmente o projeto de Revitalização da Orla do Guaíba e, apesar de toda a resistência encontrada, garantido o desenvolvimento do projeto e garantido os recursos financeiros para a sua execução. 

Posso afirmar que a qualificação da Orla do Guaíba se tornou um marco urbano, social e esportivo para Porto Alegre, uma transformação que resgatou o espaço público, fortalecendo a identidade local, contribuindo com a sustentabilidade e ampliando a atratividade turística da cidade por meio de um legado duradouro.